9 Monarquia de Abimelec - 1. Abimelec, filho de Jerobaal, foi para Siquém [F1] , para junto dos irmãos de sua mãe, e dirigiu, a todo o clã da casa paterna da sua mãe, as seguintes palavras: “Falem, por favor, aos ouvidos de todos os senhores notáveis de Siquém: o que é melhor para vocês, que sejam governados por setenta homens, todos eles filhos de Jerobaal, ou um só homem exerça o governo? Lembrem-se de que eu sou osso de seus ossos e carne de suas carnes”. 3. Os irmãos de sua mãe disseram essas mesma palavras aos ouvidos de todos os senhores notáveis de Siquém, e o coração deles inclinaram-se para Abimelec, pois diziam: “Ele é nosso irmão”. 4. Em seguida deram para ele oitocentos gramas de prata vindos do Tempo de Baal-Berit, e Abimelec recrutou com essa quantia homens desocupados e aventureiros que passaram a andar em sua companhia. 5. Ele voltou para a casa de seu pai, em Efra, e matou seus irmãos, filhos de Jerobaal, setenta homens, sobre uma mesma pedra. Restou somente Joatão, filho mais novo de Jerobaal, que havia se escondido. 6.Em seguida, reuniram-se todos os senhores notáveis de Siquém e de toda Bet-Melo, próximo ao carvalho da coluna, e declararam Abimelec rei de Siquém.
9,1-6: A monárquia de Abimelec - O breve ciclo de Abimelec, “meu pai é rei”, em hebraico, atualiza a saga de um antigo personagem, rei em Gerara, ligado às tradições patriarcais (cf. Gn 20,1-18). Aqui, Abimelec é filho de Gedeão com uma concubina de Siquém (Jz 8,31) e com truculência não exclui meios para ocupar o cargo de rei (v. 5). Mencionada como cidade egípcia, no século XIII a.C., ao redor de Siquém se constituíram pequenas realezas ligadas aos cananeus. “Provavelmente os versículos 1-6 tenham um fundo histórico por referendar um período de convivência entre Israel e Canaã refletindo uma situação em que a região era fatiada em pequenos “reinos” – cidade-estado – de certa maneira independentes e confrontantes um com o outro e submissos ainda ao domínio egípcio, no século XII” (cf. Balancin, p. 14).
Jz 9,7-21
7. Eles informaram o fato a Joatão e este, por sua vez, subiu ao cume do monte Garizim, e aos gritos declarou: “Prestem atenção às minhas palavras, senhores notáveis de Siquém, que Deus ouça vocês!.
8. Certa vez as árvores puseram-se a caminho à procura de alguém que fosse capaz de ser ungido para reinar sobre elas. Disseram para a oliveira: ‘reine sobre nós!’.
9. A oliveira disse para elas: ‘Por um acaso abandonaria eu o meu azeite, com o qual se honram os deuses e os homens, para ir balançar-me sobre as árvores?’
10. As árvores disseram à figueira: ‘Venha e reine você sobre nós!’
11. A figueira respondeu para elas: ‘Por um acaso abandonaria minha doçura e meus bons frutos, para ir balançar-me sobre as árvores?’
12. As árvores disseram à videira: ‘Venha reinar você sobre nós!’
13. A videira respondeu para elas: ‘Por um acaso abandonaria meu vinho que tanto alegra aos deuses e aos homens, para ir balançar-me sobre as árvores?’
14. Todas as árvores disseram ao espinheiro: ‘Venha reinar você sobre nós!’
15. O espinheiro disse para as árvores: ‘Se, verdadeiramente, vocês querem ungir-me rei sobre vocês, venham abrigar-se abaixo da minha sombra; mas se não o querem, que saiam fogo do espinheiro e devore os cedros do Líbano’.
16. E agora, se foi com lealdade e retidão que agiram quando escolheram para reinar Abimelec, e se fizeram bem a Jerobaal e à sua casa, tratando-o segundo as obras de suas mãos, 17. e que meu pai guerreou por vocês, pondo em perigo sua vida e livrou a todos das mãos de Madiã, 18. hoje vocês se levantaram contra a casa de meu pai matando os setenta homens sobre a mesma pedra. Escolheram para reinar sobre os senhores notáveis de Siquém, Abimelec, filho de sua serva, por ele ser seu irmão. 19. Se, afinal, agiram com lealdade e retidão com Jerobaal e sua casa, sejam felizes com Abimelec, e seja ele também feliz com vocês. 20. Porém, se não agiram desse modo, que saia fogo de Abimelec e devore os senhores notáveis de Siquém, e de Bet-Melo, e que saia fogo dos notáveis de Siquém e de Bet-Melo e devore Abimelec”. 21. E com medo, Joatão estabeleceu residência em Bear, a fim de escapar de seu irmão Abimelec.
9,7-21: A fábula, uma das mais antigas narrativas bíblicas, apresenta uma severa crítica à monarquia. As árvores nobres não aceitam reinar, mas espinheiro, inútil e perigoso ao propagar o fogo, aceita a função.
Revolta contra Abimelec - 22. Abimelec reinou sobre Israel durante três anos. 23. Deus enviou um espírito de perversidade entre Abimelec e os senhores notáveis de Siquém, e os senhores notáveis de Siquém tornaram-se infiéis a Abimelec, 24. no desejo de fazer cair sobre ele a violência praticada aos setenta filhos de Jerobaal, e de colocar seu sangue sobre Abimelec, seu irmão, que os assassinara, bem como sobre os senhores notáveis de Siquém que haviam ajudado a massacrar seus irmãos. 25. Os senhores notáveis de Siquém organizaram contra ele ciladas sobre o cume das montanhas, e roubavam todos os que passavam pelo caminho. Abimelec foi informado de tudo.
Derrota de Gaal - 26. Gaal, filho de Ober, em companhia de seus irmãos, veio e atravessou Siquém ganhando a confiança dos senhores notáveis de Siquém. 27. Eles foram ao campo, colheram suas vinhas, pisaram suas uvas e fizeram seus festejos. Entraram no templo de seus deuses comeram, beberam e amaldiçoaram Abimelec. 28. Gaal, filho de Obed, indagou: “Quem é Abimelec, quem é Siquém para que nós o sirvamos? Não é ao filho de Jerobaal e a seu intendente, de nome Zebul que devemos servir ao povo de Hemor, pai de Siquém? Por qual motivo nós devemos estar a serviço deles? 29. Ah! se eu tivesse poder sobre este povo. Faria desaparecer Abimelec. Diria para ele: “Reúna um numeroso exército e saia”.
30. Zebul, governador da cidade, ouvindo as palavras ditas por Gaal, filho de Obed, inflamou-se de raiva. 31. Enviou secretamente mensageiros a Abimelec para dizer: “Eis que Gaal, filho de Obed, em companhia de seus irmãos, vieram a Siquém, e estão instigando a cidade contra você. 32. Agora, levante, pela noite e com o povo que está junto com você e prepare uma cilada no campo; 33. logo pela manhã, ao nascer do sol, logo na primeira hora, assaltará a cidade, e quando Gaal e o povo que está com ele marcharem contra ti, você fará contra ele o que decidirem as suas mãos.
34. Abimelec, e todo o povo que estava com ele, levantaram à noite e armaram ciladas em quatro lugares de Siquém. 35. Gaal, filho de Obed, saiu e ficou montando guarda junto ao portão da cidade. Abimelec, e todo o povo que estava com ele, saíram da emboscada. 36. No momento em que Gaal viu aquele povo disse para a Zebul: “Eis que o povo desce do cume da montanha”. Zebul disse para ele: “São as imagens da montanha que você está vendo, confundindo como se fossem pessoas”. 37. Gaal retomou a palavra dizendo: “Eis que o povo desce do centro da terra, e uma outra parte vem pelo caminho do Carvalho do Adivinho”. 38. Diante dessa situação, Zebul disse: “Onde está sua língua, quando você diz: “Quem é Abimelec, para que nós o sirvamos? Não é este povo que está em sua companhia que você desprezou? Saia agora, e faça guerra contra ele”. 39. Gaal saiu e se colocou à frente dos senhores notáveis de Siquém e ele combateu contra Abimelec. 40. Abimelec perseguiu a Gaal que conseguiu escapar diante dele, mas muitos foram mortos violentamente antes de alcançarem a entrada da porta. 41. Abimelec se estabeleceu em Aruma, e Zebul expulsou Gaal e seus irmãos que não puderam mais habitar na cidade de Siquém.
9,22-41: O projeto da realeza desejado por Abimelec começa a ruir, segundo o narrador. Seu reinado tem perímetro reduzido a Siquém e não em Israel (cf. v. 22). No uso de personagens enigmáticos, como Gaal e Zebul, este último, considerado príncipe em Siquém, busca-se por fim na conturbada experiência monárquica.
Vingança de Abimelec - 42. Aconteceu que, no dia seguinte, informaram para Abimelec que o povo saia para o campo. 43. Ele reuniu seu povo e o dividiu em três grupos, e se preparou para a emboscada no campo. Assim que avistou o povo saindo da cidade, levantou-se contra ele e o derrotou. 44. Em seguida, Abimelec e os lideres que estavam com ele atacaram e mantiveram posição na porta da cidade, enquanto os outro dois grupos atacaram todas as pessoas que estavam no campo, derrotando-os. 45. Abimelec combateu contra a cidade durante todo aquele dia, e depois de conquistá-la matou todos os seus habitantes e a destruiu e espalhou sal sobre a cidade. 46. Ao ouvirem esses fatos, os senhores notáveis da Torre de Siquém se esconderam na cripta do templo de El-Berit. 47. Informaram a Abimelec que todos os senhores notáveis da Torre de Siquém estavam ali reunidos, 48. Abimelec subiu em direção do monte Selmon, ele e todos os homens que estavam em sua companhia. Abimelec, com um machado em suas mãos, cortou um galho de árvore, colocou-o sobre seus ombros, e em seguida disse a todos os homens que o seguiam: “O que vocês virem eu fazer, façam também depressa”. 49. Em seguida, todos os homens cortaram também galhos de árvores, seguiram a Abimelec e depositaram os galhos em cima da cripta, atearam fogo, queimando os galhos sobre os que ali estavam escondidos. Morreram todos os habitantes da Torre de Siquém, aproximadamente mil pessoas, entre homens e mulheres.
9,42-49: Os atos de brutalidade de Abimelec é um outro modo de criticar à monarquia. Aqui, não são respeitadas as leis em torno dos lugares de refugio, como El-Berit, santuário dedicado ao “Deus da Aliança”, localizado em Siquém (Js 20,7-9; Dt 4,43; Jz 8,33; 9,4).
Uma mulher mata Abimelec - 50. Abimelec saiu em marcha em direção a Tebes, sediou-a e conquistou a cidade. 51. Uma torre fortificada existia bem no centro da cidade onde refugiaram todos os senhores notáveis, todas as mulheres e os notáveis da cidade. Após entrarem, trancaram a porta e subiram ao terraço da torre. 52. Abimelec veio até a torre e a atacou. Ao se aproximar da porta para destruí-la com fogo, 53. eis que uma mulher lançou uma pedra de moinho sobre sua cabeça que lhe quebrou o crânio. 54. Ele rapidamente chamou o moço que carregava suas armas e disse: “Tire a sua espada e mate-me, para que não se diga mais tarde a meu respeito: Foi morto por uma mulher”. E o jovem transpassou-o com a espada e ele morreu. 55. No momento em que os homens de Israel viram Abimelec morto, cada um voltou para sua casa. 56. Deste modo, Deus devolveu a Abimelec todo o mal que ele havia feito contra seu pai ao matar seus setenta irmãos 57. e o mesmo fez Deus ao devolver todo o mal sobre a cabeça dos habitantes de Siquém, vindo sobre eles a maldição de Joatão, filho de Jerobaal.
9,50-57: Ser morto por uma mulher (v. 53) representava humilhação de um guerreiro, desprezo, ainda maior, ao se tratar de um rei. O deuteronomista, em sua história, coloca, assim, um ponto final à historia da realeza de Abimelec ao narrar sua humilhante morte imposta por uma mulher anônima. Ainda não foi desta vez que a monarquia se estabilizou, mas ela se encontra a caminho!
Jz 9,8-15
Traços textuais:
Estamos diante de uma fábula. O texto busca oferecer uma resposta imediata sobre o perigo de buscar um rei que governe sobre os demais;
A fábula destaca a função de reinar - cinco vezes citada ao longo da narrativa;
O rei é apresentado como alguém que está acima. Exerce seu poder;
O termo agitar-se sobre denota o perigo sempre existente na atitude de governar. Quem hoje está no poder pode um dia dele ser destituído;
O verbo vir indica a ação de “colocar-se a caminho”. Estar disposto ao desafio;
Árvores produtivas e improdutivas;
O espinheiro aceita a tarefa de reinar – corre o risco de por fogo até nos cedros do Líbano;
Todas as árvores foram pedir ao espinheiro: “reine ...”.
Α fábula na historiografia:
O embate em torno da monarquia. Bons para uns (1Sm 8,1-22; 10,17-27), péssima para outros (1Sm 9,1-10, 16). Trata-se de ter um rei como as outras nações (1Sm 8,5);
Fabula na boca de Joatão, filho de Gedeão e o único sobrevivente da intentona de Abimelec para ocupar a realeza (Jz 9,6);
Javé: único e eterno Rei. Gedeão não somente rejeita a realeza como alerta ao poderia de Javé (Jz 8,23-24);
Apoiado nos “senhores de Siquém”, Abimelec, com base em um plano fraticida, é nomeado rei.
Quem são os apoiadores de Abimelec:
Uso das novas tecnologias (boi, comércio);
Consolidação das cidades e governos independentes;
Líderes tribais buscam interesses próprios;
Princípio de representatividade diante do coletivo.
Uma releitura na época das reformas do século VII:
Ezequias (716-687), Josias (640-609);
Enfraquecimento do império assírio;
Siquém x Jerusalém;
O norte sempre em detrimento ao sul.
Na pregação profética:
Is 30,1-7 – crítica contra os acordos firmados com o Egito;
Abrigar-se à sombra do Egito.
Conclusão:
Força da memória popular;
Determinação em perseguir uma utopia;
Crítica às instancias de domínio;
Ser e não poder;
“Mas entre vós não deverá ser assim....” (Mc 10,42-44);
Ainda não foi desta vez que a monarquia se estabilizou, mas ela se encontra a caminho!
[1] Sobre a fábula das árvores, oportuno conferir o trabalho de BALANCIN, Euclides M., A Oliveira, a figueira, a videira e o espinheiro (Jz 9,8-15), in EstBil, 78, 2003, p11-17. ROSSI, Luiz Alexandre Solano, O triunfo da ironia na parábola de Joatão (Jz 9,7-15), in EstBil, 92, 2006, p. 19-26.
[F1] Em 1878-1843, Sesóstris III governa a região. O príncipe Labaya reinou nestas montanhas. Abraao e Jacó visitam a região (Gn 12,6; 33,18). Siquem parece ser um lugar de culto, onde se realizava a aliança entre Javé e seu povo (Js 24), um lugar de refugio (Js 20,7; 24,32. At 7).
Capital do reino do Norte (1Rs 12,1.25) até ser destruída por Sesac (2Cr 12,2).
Escavações: 1913-1914 (E. Selin, F. M. Bohl); E. F. Campbell (1956-1962).
Calcolítico: dois pequenos acampamentos.
Bronze Médio: (2000 – 1550). Fundação da cidade. Em meados de 1750-1650, (Bronze Recente) a cidade recebe muralhas, altar de terra batida, e dois massebot na entrada da cidade. Em 1550, os egípcios destruíram a cidade que ficou abandonada por um século.
Bronze recente: (1550-1150). Reconstruíram a cidade nos mesmos moldes.
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Notas/ITESP – LitDrt – frizzo – Abr/2017
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